Cientistas finlandeses mostraram que povos
caçadores-coletores não costumam guerrear entre si — 85% das mortes foram
causadas por disputas dentro dos próprios grupos
Uma nova pesquisa sugere que a guerra não faz parte da
natureza humana. Ao contrário, quando os homens estão reunidos em pequenos
bandos de caçadores-coletores — considerado o modelo mais antigo de
comportamento humano —, esses grupos dificilmente se envolvem em grandes
conflitos. Segundo os dados apresentados nesta quinta-feira na revista Science,
os ancestrais dos humanos modernos matavam uns aos outros, principalmente, por
motivos pessoais. A guerra e as grandes disputas violentas por recursos só se
tornariam comuns mais tarde, com o desenvolvimento de sociedades mais complexas.
A discussão sobre a violência entre os caçadores-coletores é
antiga entre os cientistas e pensadores. Como esse foi o primeiro modo de
organização dos seres humanos — e o modo em que eles sobreviveram pela maior
parte de sua história —, sua possível tendência à guerra diz muito sobre os
modos de organização da sociedade e sobre a própria natureza do homem.
Em 2011, o psicólogo canadense Steven Pinker publicou o
livro Os Anjos Bons de Nossa Natureza, no qual defende que os antepassados
humanos viviam envoltos em conflitos sanguinários, que só começaram a diminuir
com o aumento da razão e do conhecimento, principalmente a partir do
iluminismo. Os dias de hoje seriam os mais pacíficos de toda a história. Suas
ideias foram rebatidas em um artigo publicado pelo primatologista holandês
Frans de Waal, que mostrava não existir nenhuma predisposição genética à
guerra, e que mesmo os outros grandes primatas eram capazes de conter a
violência, sem necessidade de recorrer ao racionalismo. O homem seria
naturalmente pacífico.
Na contribuição mais recente à discussão, publicada nesta
quinta-feira, os pesquisadores finlandeses resolveram sair do plano teórico e
analisar os tipos de assassinatos que eram cometidos entre os
caçadores-coletores. Como não podiam estudar grupos que viveram há milhares de
anos, eles se debruçaram sobre um banco de dados que reúne informações sobre
186 sociedades caçadoras-coletoras que sobreviveram até o século 20, como os
!Kung, no sul da África, e os Semang, na Malásia. Ao escolher de modo aleatório
21 dessas sociedades, eles se depararam com 148 mortes violentas. Apenas uma
pequena parte delas, no entanto, teria sido causada pela guerra.
Guerra e paz — Segundo os pesquisadores, a maioria dessas
mortes poderia ser creditada a homicídios comuns, causados por disputas
pessoais em vez de grupais. Pelo menos 55% dos assassinatos haviam sido
cometidos de forma isolada — com apenas um assassino e uma vítima. Mais de dois
terços de todas as mortes podem ser atribuídas a brigas familiares, competições
por parceiros sexuais, acidentes ou execuções decididas pelo grupo, como
punições a um roubo, por exemplo.
Cerca de um terço de todas as mortes aconteceram por causa
de disputas entre membros de grupos diferentes — o que poderia ser chamado de
guerra. No entanto, três terços dessas mortes foram causadas por membros do
povo Tiwi, um grupo particularmente violento da Austrália. Se eles forem
retirados da estatística, as mortes causadas por disputas externas representam
apenas 15% do total registrado nos outros vinte grupos estudados.
Ainda existe uma discussão entre os cientistas se o estudo
de grupos caçadores-coletores modernos é o ideal para compreender o
comportamento dos primeiros seres humanos. Os pesquisadores do estudo atual, no
entanto, dizem que eles são o melhor modelo encontrado até hoje para estudar
essas sociedades. O resultado sugere que a guerra não está enraizada no
comportamento mais antigo do homem — não está registrada em seu sangue ou DNA
—, mas foi adotada mais recentemente, possivelmente após o advento da agricultura.
Fonte: veja.abril.com.br
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