Consórcio internacional de cientistas planeja missão de um
bilhão de dólares para perfurar a crosta terrestre e chegar ao manto. Com isso,
pretendem decifrar antigos mistérios sobre a formação de nosso planeta
Um mês depois de o jipe-robô Curiosity pousar na Cratera
Gale, em Marte, a humanidade alcançou outro ponto tão inexplorado quanto o
planeta vermelho – mas sem um décimo do glamour e da publicidade recebida pela
sonda da Nasa. No dia 9 de setembro, o navio japonês Chikyu escavou um buraco
de 2.466 metros
no fundo do mar e retirou amostras de rochas para pesquisas sobre o interior de
nosso planeta. É a maior profundidade já atingida por uma missão científica e o
mais próximo do manto terrestre que o homem já chegou. No entanto, segundo os
cientistas responsáveis pelo projeto, essa missão é só um aperitivo de algo
muito mais ambicioso.
Até o começo da década de 2020, eles pretendem triplicar
essa distância, percorrendo seis quilômetros de rochas duras até atingir o
manto terrestre – a camada imediatamente abaixo da crosta, onde podem estar
guardados os segredos da formação do planeta e dos limites da vida. A região,
que possui 68% da massa da Terra, ainda é um mistério para a ciência. “Perfurar
até o manto é a missão mais desafiadora da história das ciências da Terra”, escreveram
os geólogos responsáveis pelo projeto em um documento detalhando a escavação.
O valor total da empreitada é calculado em um bilhão de
dólares. Tudo isso para atravessar com tubos de aço 4.000 metros de água, 200 metros de sedimentos
e 5.500 metros
de rochas basálticas. Depois de alcançar o manto, será necessário percorrer
todo o caminho de volta, carregando as pedras a serem analisadas pelos
cientistas. “O comprimento
total da broca terá de ser de 10 quilômetros, e o diâmetro do buraco, apenas 30 centímetros. Nem
a ciência nem a indústria já percorreram essa distância em meio a pedras, no
meio do oceano. Esse será nosso maior desafio”, disse Damon Teagle, pesquisador
da Universidade de Southampton e um dos idealizadores do projeto.
Esforço internacional – A missão até o manto terrestre faz
parte dos planos traçados pelo Programa Integrado para a Escavação do Oceano
(IODP, na sigla em inglês) para os próximos dez anos. O programa reúne
cientistas de vários países do mundo, como Estados Unidos, Japão e Austrália,
com o objetivo de monitorar e coletar amostras do fundo do mar. Desde agosto, o
Brasil faz parte do projeto, e cientistas do país devem estar em todas as missões
do programa a partir de 2013 — inclusive nas que buscam o centro da Terra.
Os pesquisadores já escolheram três possíveis locais para a
escavação: os mares ao redor do Havaí, da Califórnia ou da Costa Rica. Como a
crosta da Terra mede de quatro a seis quilômetros debaixo do oceano e mais de
trinta debaixo dos continentes, a missão terá de acontecer necessariamente em
alto mar. Para escolher as localidades exatas, os pesquisadores tiveram de
levar em conta fatores como idade e temperatura do terreno e condições
climáticas do local.
O navio usado na perfuração deve ser o mesmo Chikyu que
bateu o recorde de profundidade no mês passado. Ele foi desenvolvido por
pesquisadores japoneses em 2002 justamente para ser usado nas missões do IODP.
Os pesquisadores já adiantam que a equipe a bordo do navio deve enfrentar
grandes dificuldades para cumprir sua missão, como "escavar em uma grande
profundidade em pleno mar aberto, perfurar pedras extremamente duras, retirar
as amostras de rocha sem contaminá-las, enfrentar temperaturas muito altas, chegando
a mais de 300 graus Celsius, e pressão incrivelmente forte", enumera
Teagle.
Outro problema é a duração das brocas usadas pela equipe.
Embora feitas de uma dura mistura de carbeto de tungstênio (material três vezes
mais rígido que o aço) com diamantes, elas não resistem a mais de 60 horas de
trabalho, por causa do atrito com as rochas do centro do planeta. Até 2020, os
pesquisadores devem encontrar modos de torná-las mais robustas e duráveis,
senão correm o risco de o processo de escavação se estender por anos. Mas será
que tanto esforço — e dinheiro gasto — vale a pena? Qual o objetivo disso tudo?
Expedições ao centro da Terra
A viagem sem fim ao centro da Terra – O principal motivo
para querer ir até o centro da Terra é simplesmente porque nunca estivemos lá.
Tudo que sabemos sobre essa região e o que ela significa para a formação
terrestre vem de evidências coletadas aqui na superfície. "Não temos
nenhuma amostra do manto da Terra para estudar – e ele representa maior parte
de nosso planeta", diz Teagle.
As primeiras evidências da existência do manto foram
coletadas pelo meteorologista croata Andrija Mohorovičić em 1909, quando ele
percebeu que as ondas sísmicas se moviam mais rápido abaixo dos 30 quilômetros de
profundidade do que nas camadas acima, prevendo que haveria aí uma mudança na
composição da Terra. A partir de rochas que chegaram até a superfície durante o
surgimento de ilhas e vulcões, os pesquisadores sabem que a região é composta
por minerais ricos em magnésio. "No entanto, não sabemos a composição
exata do manto, porque as amostras foram alteradas pela reação química com a
água do mar e o magma durante sua jornada até a superfície”, afirma o
pesquisador.
E é justamente na composição química dessas rochas que mora,
segundo os cientistas, a resposta para alguns dos segredos mais antigos da
ciência, como a origem de nosso planeta. "É a partir dessa análise que
poderemos saber como a Terra foi formada, como o planeta evoluiu a partir disso
e como ele funciona hoje", afirma Teagle. Os pesquisadores ainda dizem
que, ao visitar a região, vão poder entender quais os limites da vida: em que
condições de temperatura, pressão e acidez ela é possível. "Podemos
descobrir evidências de vida microbiana muito profunda, no fundo da crosta. Ou,
quem sabe, até no próprio manto."
Segundo os pesquisadores, a exploração do centro da Terra
tem outra semelhança com a exploração espacial, além da busca por territórios
desconhecidos e por evidências de vida: ela não tem limites definidos. "Se
conseguirmos atingir nosso objetivo, o próximo grande passo será alcançar a
divisão entre a camada mais rígida e a menos rígida do manto, que se encontra a
150 quilômetros
de profundidade, e está sob 1.300 graus Celsius", afirma Damon Teagle.
Depois disso, existem mais 6.000 quilômetros totalmente inexplorados de
rochas, magma e ferro. Assim como no espaço, não parecem haver fronteiras para
a exploração científica do centro da Terra.
Fonte: veja.abril.com.br